Nos últimos tempos, temos observado a ocorrência de algumas catástrofes naturais no Brasil, sendo a grande maioria decorrentes de chuvas. A mais recente aconteceu neste Carnaval, no litoral norte do Estado de São Paulo, e trouxe uma série de consequências negativas, como mortes, pessoas desabrigadas e negócios paralisados, gerando um alto custo, em todos os sentidos, para a sociedade.
Infelizmente, estes eventos serão cada vez mais recorrentes, pois não temos controle ou poder de impedir desastres dessa natureza, mas será que conseguimos nos preparar com antecedência, mesmo antes dos alertas meteorológicos?
Recentemente, nossos especialistas ao redor do mundo escreveram um artigo interessante que aponta como a inteligência artificial (IA) pode ser utilizada para mitigar futuros eventos climáticos extremos. Confira a tradução na íntegra abaixo.
Como seria a vida se soubéssemos exatamente quando ocorreria um terremoto? Ou quando uma onda de calor pode fazer os termômetros dispararem? Que tal um furacão ou uma tempestade? Muito diferente, provavelmente.
Mesmo assim, não conseguiremos deter a natureza, o máximo que podemos fazer é estarmos mais bem preparados para o inevitável. Obviamente, ver como a sociedade age nesse novo mundo é, por enquanto, coisa de Hollywood, mas nos leva a questionar o que sabemos sobre o futuro e o que podemos aprender sobre ele.
Dando um passo para trás nesse cenário hipotético, vale a pena focar na questão premente: mudança climática e aquecimento global. Essas questões afetarão irreversivelmente a vida da maioria das pessoas em todo o mundo, com os efeitos projetados colocando em risco a saúde e o bem-estar de grande parte da humanidade 1, 2. As estimativas financeiras mostram que o futuro 'valor climático em risco' de ativos financeiros globais será US$ 2,5 trilhões no cenário RCP8.5 ('business-as-usual'), com o pior resultado projetado para aumentar esse valor para US$ 24,2 trilhões com base em uma estimativa de 2013 do valor dos ativos3. Além disso, prevê-se que as perdas causadas pelas mudanças climáticas atinjam 23% do produto bruto global até 21004, 5.
Embora o aquecimento global seja geralmente descrito nos meios de comunicação pelo aumento da temperatura média global ou pelo aumento do nível do mar, eles muitas vezes deixam de mencionar alguns dos efeitos mais marcantes que são desencadeados por esse fenômeno - a amplificação de eventos climáticos extremos. Desde 1980, desastres naturais relacionados ao clima causaram US$ 5,2 trilhões em danos e causaram aproximadamente um milhão de mortes em excesso6. Além disso, o “Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas” relata que os impactos desses eventos extremos recentes mostram uma falta de preparação para a atual variabilidade climática nos países em todos os níveis de desenvolvimento7.
Então, podemos entender melhor os efeitos da mudança de futuros eventos climáticos extremos sob as mudanças climáticas para planejar melhor as estratégias de mitigação e adaptação? O trabalho realizado na Universidade de Cambridge sugere que, usando uma abordagem baseada em dados e IA em conjunto com simulações de modelos climáticos globais, pode ser possível inferir essas informações sobre o futuro. Como as inundações costeiras e as tempestades são geralmente consideradas os eventos climáticos extremos mais prejudiciais, tanto para pessoas quanto para bens, focamos nesses eventos.
Uma visão geral revela uma solução eficiente. Usando registros anteriores de inundações costeiras em todo o Reino Unido8 e dados de observação meteorológica do passado, é possível treinar um modelo de IA para entender e classificar os dias com inundações em relação aos dias sem inundações. O modelo de IA treinado combina simulações de modelos climáticos globais para fornecer uma imagem da frequência futura de eventos de tempestades.
Com um modelo de IA hipoteticamente treinado que não cometeria nenhum erro nessa tarefa, pode ser tentador começar a evacuar as pessoas com base nos resultados. Mas isso seria um erro, pois os modelos climáticos globais não preveem o que acontecerá em um determinado dia no futuro, mas mostram as tendências gerais durante esse período.
Assim, com base no resultado do modelo, é possível gerar um conjunto de estatísticas anuais, como o número estimado de cheias ou a sua intensidade e períodos de retorno. Essas métricas-chave serão úteis para que pessoas, empresas e formuladores de políticas planejem estratégias de adaptação e mitigação melhores e mais precisas. Essa abordagem pode ser usada além dos modelos atuais baseados em física ou modelos estatísticos que apenas inferem informações de estatísticas anteriores.
Este projeto nos dirá tudo o que precisamos saber sobre inundações costeiras no futuro? Provavelmente não, especialmente porque exigimos algumas suposições sobre o sistema físico envolvido e/ou não temos todas as informações necessárias dos conjuntos de dados atualizados. O sucesso deste projeto também permitiria que o quadro proposto fosse transferido para outros eventos climáticos extremos, como ondas de calor, secas ou cheias de rios. Além disso, a análise pode ser atualizada à medida que mais conjuntos de dados se tornam disponíveis ou quando os dados dos modelos climáticos globais melhoram a cada nova geração. Por fim, o resultado deste projeto adicionará informações ao que já se sabe sobre climas extremos e, assim, espera-se que crie um benefício para as pessoas em risco.
Artigo publicado no site global da WTW, em 15 de fevereiro de 2023, e adaptado com uma introdução sobre desastres que aconteceram recentemente no Brasil.
1 Costello, A., Abbas, M., Allen, A., Ball, S., Bell, S., Bellamy, R., ... & Patterson, C. (2009). Managing the health effects of climate change: lancet and University College London Institute for Global Health Commission. The lancet, 373(9676), 1693-1733.
2 Watts, N., Adger, W. N., Agnolucci, P., Blackstock, J., Byass, P., Cai, W., ... & Costello, A. (2015). Health and climate change: policy responses to protect public health. The lancet, 386(10006), 1861-1914.
3 Dietz, S., Bowen, A., Dixon, C., & Gradwell, P. (2016). ‘Climate value at risk’of global financial assets. Nature Climate Change, 6(7), 676-679.
4 Klusak, P., Agarwala, M., Burke, M., Kraemer, M., & Mohaddes, K. (2021). Rising temperatures, falling ratings: The effect of climate change on sovereign creditworthiness. Australian National University, Crawford School of Public Policy, Centre for Applied Macroeconomic Analysis.
5 Burke, M., Hsiang, S. M., & Miguel, E. (2015). Global non-linear effect of temperature on economic production. Nature, 527(7577), 235-239.
6 MunichRe. (2021). Natural disaster risks: Losses are trending upwards — Munich Re. https://www.munichre.com/en/risks/natural-disasters-losses-are-trending-upwards.html.
7 Field, C. B., Barros, V., Stocker, T. F., & Dahe, Q. (Eds.). (2012). Managing the risks of extreme events and disasters to advance climate change adaptation: special report of the intergovernmental panel on climate change. Cambridge University Press.
8 Haigh, I. D., Ozsoy, O., Wadey, M. P., Nicholls, R. J., Gallop, S. L., Wahl, T., & Brown, J. M. (2017). An improved database of coastal flooding in the United Kingdom from 1915 to 2016. Scientific data, 4(1), 1-10.
Responsável pela área de Risks and Analytics da WTW e com mais de 30 anos de experiência no mercado de seguros, tem conhecimento em gestão de riscos e seguros para o Brasil e outros países da América Latina.