O tema ESG (Environment, Social & Governance) ganhou maior protagonismo no período pós-pandemia. Ele surgiu no ano de 2004 em uma publicação pioneira do Banco Mundial – uma parceria com o Pacto Global da ONU e instituições financeiras de nove países chamada Who Cares Wins (Ganha quem se importa). A proposta era obter respostas dos bancos sobre como integrar os fatores ESG ao mercado de capitais.
Posteriormente, o tema ganhou tração na Cúpula das Nações Unidas (2015) com o pacto global assinado por 193 países membros, que estabelecia objetivos de desenvolvimento sustentável – uma composição conhecida como Agenda 2030.
No Brasil, em 2005 foi criado pela B3 o Índice de Sustentabilidade Empresarial (ISE B3) com o objetivo de ser o indicador de desempenho médio das cotações dos ativos de empresas selecionadas pelo comprometimento com a sustentabilidade empresarial. Foi uma iniciativa pioneira na América Latina, com financiamento inicial pela International Finance Corporation (IFC), braço financeiro do Banco Mundial. Quando o ISE B3 foi criado, era o quarto índice de sustentabilidade no mundo. A partir de então, as empresas elegíveis a participar da seleção do ISE B3 precisam responder aos questionários que cobrem temas como gestão de Capital Humano, Capital Social, Governança Corporativa e Alta Gestão, Meio Ambiente e Modelos de Negócio e Inovação.
As respostas das empresas elegíveis a esses questionários determinam a pontuação das empresas em cada uma das dimensões abrangidas. Isso determina quais empresas têm um nível de compliance com a Agenda ESG que as tornam elegíveis a compor o ISE B3 e, também, determinam a sua posição no ranking das selecionadas.
As empresas bem-posicionadas nos rankings de ESG podem ganhar acesso a recursos financeiros mais baratos no mercado de capitais. Hoje se estima que existam em torno de R$ 1 trilhão de ativos sob gestão de fundos verdes no Brasil, que dão prioridade a empresas e projetos bem-posicionados na Agenda ESG.
Adicionalmente, existe uma atenção crescente das pessoas com o impacto das empresas não só no meio ambiente, mas também com a sua relação com a sociedade e com os colaboradores. Riscos corporativos nunca imaginados estão de fato se materializando. Por exemplo, recentemente o jornal Valor Econômico publicou uma matéria* sobre o caso de um fazendeiro de Huaraz, cidade no interior do Peru, que está processando uma gigante alemã do setor de energia, a RWE.
A razão é que as emissões geradas pela empresa germânica em todo o mundo ao longo dos 124 anos de história da corporação contribuíram para o aquecimento que vem fazendo a geleira encolher, e ameaça aumentar o nível do lago Palcachoca e provocar uma inundação sem precedentes na região. O agricultor argumenta que a empresa deveria ajudar a pagar por obras de prevenção, que teriam por objetivo proteger Huaraz, sua cidade natal, da enchente que ameaça a localidade, que pode até desaparecer.
É importante ressaltar que RWE nunca teve operação no Peru, mas é conhecida como uma das maiores poluidoras da Europa e, certamente, tem influência no aquecimento global. Por todos os motivos envolvidos, este tornou-se um caso referencial. Se for bem-sucedido, vai abrir precedentes para uma chuva de ações semelhantes. Como precificar este tipo de risco para os negócios de empresas poluidoras?
Esse movimento específico poderá impulsionar cada vez mais os governos e órgãos reguladores a definirem o que esperam das empresas e suas responsabilidades. As empresas não podem atuar sem limites para os riscos das suas operações. No Brasil, por exemplo, a Superintendência de Seguros Privados (SUSEP) publicou em junho de 2022 a circular 666/2022, que impõe critérios de gestão ESG.
Como resposta a todas essas questões, temos observado que as empresas estão definindo as prioridades no campo ESG alinhadas aos objetivos estratégicos do negócio. Estão cada vez mais buscando medir seus esforços através dos rankings ESG existentes.
O tema Sustentabilidade está no topo das prioridades das empresas, principalmente devido à meta de reduções de emissão de carbono e o impacto no meio ambiente. Muitas empresas brasileiras têm se destacado e alcançado excelentes classificações nos rankings ESG como o ISE B3. No entanto, curiosamente observamos que muitas dessas empresas não têm obtido resultados satisfatórios na gestão de capital humano. Por exemplo, a EDP foi a primeira empresa do setor de energia na América Latina a ter a meta de redução de emissões de gás carbônico aprovada pela Science Based Targets e figura entre as primeiras posições do ISE B3 desde 2006. Porém, foi dentro do indicador capital humano que ela teve seu pior índice de pontuação do ISE B3** por temas de inclusão e diversidade.
A questão Social (o “S” do ESG), que engloba a gestão de capital humano, ainda é uma pauta que precisa ser trabalhada pelas empresas. Bem como a questão da Governança (o “G” do ESG) nas empresas multinacionais.
Observamos um movimento interessante das empresas pós-pandemia em reconhecer que a gestão de capital humano alinhada aos objetivos estratégicos e as prioridades da agenda ESG são fundamentais para o sucesso do negócio. De acordo com a pesquisa WTW 2021 Employee Experience-Brasil, 91% das empresas esperam priorizar melhoras na experiência do empregado nos próximos três anos (note que esse percentual era 41% antes da pandemia). Melhorar a experiência do empregado engloba diversos fatores tais como:
Todos esses temas de gestão de capital humano são complexos e podem representar uma revolução dentro da empresa. O ponto de partida para qualquer mudança é tomar conhecimento da situação atual e estabelecer os objetivos a serem alcançados, com base no direcionamento estratégico da empresa.
Assim, é fundamental fazer o mapeamento das atuais políticas de gestão de capital humano e sua posição em relação ao mercado, além de capturar a percepção dos colaboradores sobre o que a empresa oferece como experiência atual.
No caso das empresas multinacionais, a gestão de colaboradores alocados em diversos países com culturas, obrigações trabalhistas e práticas de mercado muito distintas da realidade brasileira configura-se em um desafio adicional. É fundamental que a matriz de uma empresa multinacional conheça os benefícios que oferece a colaboradores alocados em outros países e entenda a sua competitividade. Esse pode ser um processo longo e custoso em que será preciso definir prioridades para avançar.
As empresas podem aproveitar essa onda de ações, com objetivo de melhorar a experiência dos empregados e, consequentemente, a sua pontuação no quesito Capital Humano nos rankings ESG, para mapear e precificar os riscos que os pacotes de benefícios representam para a empresa. A gestão de riscos dos pacotes de benefícios oferecidos em cada país é fundamental, porque eles podem implicar em impactos não esperados nas demonstrações financeiras da matriz da empresa.
Como exemplo, em 2021, um cliente da indústria de alimentos, com matriz nos Estados Unidos e que possui uma grande operação no Brasil, descobriu em um mapeamento de benefícios internacionais, que o plano médico em nosso país tinha contribuição fixa de empregados e era extensível a colaboradores aposentados. O resultado foi o reconhecimento de um passivo no balanço em 2021 de quase USD 2 milhões que não era esperado pela matriz. Se esse mapeamento tivesse sido feito antes, o impacto teria sido menor e poderia ter havido uma mitigação de risco precoce.
É fundamental destacar que fazem parte da avaliação dos rankings ESG, tanto o mapeamento de obrigações de benefício definido e outros planos de aposentadoria, quanto a governança de controladas, coligadas e/ou subsidiárias.
Os questionários Global Reporting Initiative (GRI) são o padrão mais usado mundialmente para as empresas reportarem as suas práticas de sustentabilidade, permitindo que as empresas e suas partes interessadas tomem ações para criar benefícios econômicos, sociais e ambientais para todos os envolvidos no processo. Por exemplo, o questionário usado pelo ISE B3 para determinar a inclusão e classificação de empresas no ranking no Brasil está baseado nesse modelo GRI, com algumas modificações.
O questionário GRI 203-1 (Desempenho Econômico) aborda especificamente as obrigações de benefício definido e outros planos de aposentadoria com base no IAS 19 Employee Benefits, que trata da contabilização de benefícios a empregados emitido pelo International Accounting Standard Board (IASB). O Brasil segue o IAS 19 desde 2010 através do Pronunciamento Técnico CPC 33 e suas atualizações. Ou seja, os rankings ESG entendem que no quesito desempenho econômico é importante ter os riscos com benefícios a empregados mapeados e precificados corretamente dentro das demonstrações financeiras. Eles também perguntam sobre a gestão desses benefícios e das respectivas obrigações.
Estamos testemunhando uma grande transformação na sociedade após os desafios que enfrentamos durante a pandemia. Fundamentalmente, as pessoas estão buscando conexão e propósito através do seu trabalho. Estão mudando a maneira de consumir e ficando mais atentas aos impactos das marcas que consomem tanto na sociedade quanto no meio ambiente.
Muitas empresas já entenderam que a aplicação de uma lente ESG eleva a experiência do empregado por meio de um forte senso de propósito e orgulho. O trabalho significativo que eles fazem para apoiar as prioridades ESG, as conexões para avançar nas metas ESG e os retornos que eles veem como resultado podem gerar mais engajamento e aumento de produtividade.
Por fim, na esteira de todas essas mudanças anunciadas pelas empresas em pesquisas recentes, adicionar à agenda o mapeamento de benefícios globais, a identificação e precificação dos respectivos riscos e a correta contabilização dos benefícios a empregados pela matriz representam um avanço na governança das empresas globais que podem se materializar em melhor controle de custos e riscos. Isso maximiza o resultado do esforço de avançar no cumprimento da agenda ESG.
*Empresa pode ser processada pela mudança climática?
**A receita da EDP para liderar o indicador ISE
***WTW 2021 Employee Experience survey