A agenda ESG tem avançado a passos largos na estratégia das organizações, trazendo maior ênfase às ações das empresas em relação à sustentabilidade, aos impactos de suas atividades na sociedade e à estruturação de uma governança efetiva.
E esse movimento tem se acelerado e promovido transformações relevantes; contudo, a sustentabilidade destas ações vai além de sua implementação: ela é altamente dependente da cultura, que, invariavelmente, reflete a nossa sociedade, onde há uma nítida desigualdade entre homens e mulheres.
Neste sentido, o ‘S’ de social merece especial atenção, pois ele desempenhará um papel importante nos processos internos das empresas, com destaque à igualdade de gênero e salarial.
Para contextualizarmos isso, podemos tomar como base o GEI (sigla em inglês para Gender-Equality Index) da Bloomberg – ou Índice de Igualdade de Gênero 2023 – que serve de referência para as empresas de capital aberto acompanharem seu progresso na inclusão de gênero.
Esse índice é feito de forma colaborativa e todos os anos, as empresas de capital aberto acessam o site da GEI e inserem informações sobre cinco pilares principais: liderança e pipeline de talentos; igualdade salarial e paridade salarial entre gêneros; cultura inclusiva; políticas antiassédio sexual; e marca externa.
Das mais de 400 empresas listadas na B3, apenas 16 constam na relação, demonstrando atenção às questões relacionadas a equidade de gênero. Fazendo um cruzamento de dados com o Índice de Sustentabilidade Empresarial da B3 (conhecido como carteira ISE), um indicador que mostra o grau de comprometimento com a sustentabilidade empresarial, identificamos que das 16 empresas que constam no GEI, 11 estão na carteira ISE.
Ou seja, do total de empresas listadas na B3, somente 3% delas constam nas duas relações. Fica claro, portanto, a razão pela qual o tema ainda necessita de aprimoramento nas organizações.
Com isso em mente, analisemos a relação ESG x gestão de pessoas, com um enfoque especial na nova Lei de Transparência Salarial do Brasil, equidade de gênero e diversidade.
Com ela, o Brasil fica mais próximo de marcos legais definidos em mercados maduros e outros países em desenvolvimento, dando maior ênfase à questão de remuneração por gênero e suas consequências para as mulheres em progressão de carreira e acumulação de riqueza.
Em novembro do ano passado, o decreto 11.795 deu mais informações sobre o funcionamento da legislação do tema, trazendo novas regulamentações que visam garantir salários iguais às pessoas que desempenham a mesma função ou realizam trabalhos de igual valor.
É crucial lembrar que o "S" na sigla refere-se a critérios sociais, abordando a dimensão da relação entre uma empresa e as pessoas que fazem parte de seu universo. Quando uma empresa adota discurso e ações justas e humanizadas, o colaborador deixa de ser apenas um recurso de custos, especialmente no caso das mulheres.
No contexto da nova legislação brasileira, uma pesquisa global conduzida pela WTW destaca a importância da transparência salarial, seus problemas, desafios e temores generalizados da área de Recursos Humanos com a maior abertura dos dados de remuneração. Atualmente, a maior ênfase da comunicação sobre o tema está nos níveis de cargo e remuneração variável – ao passo que faixa salarial e remuneração média das funções têm menor prevalência no que é informado ao empregado. A pesquisa também lista os canais de comunicação mais usuais para programas desta natureza: gestores, intranet e Portal de RH.
Entretanto, alguns desafios tendem a surgir em breve com a implementação efetiva deste marco legal. Alguns dados requerem atenção: a eficácia na capacitação de gestores no tema remuneração é de 60%, conforme a visão do RH e cerca de 30% das empresas acreditam que os empregados não estão capacitados para entender as informações de remuneração.
60% de eficácia na capacitação de gestores na remuneração
30% não estão capacitados para entender as informações de remuneração.
A pesquisa também avalia o impacto da comunicação para os candidatos, evidenciando uma diferença entre expectativa e realidade. Embora 71% das empresas que ainda não têm o tema implementado tenham preocupação com o aumento de questionamentos, o mesmo não se verifica entre aquelas que já implementaram ações: apenas 24% relataram impacto negativo da comunicação existente. Esses números evidenciam a complexidade e o desafio enfrentado pelas empresas na adaptação à nova regulamentação.
É evidente que a ausência de transparência com relação à remuneração dos funcionários pode ser um dos catalisadores da discrepância entre a remuneração de mulheres e homens em uma empresa. No Brasil, profissionais do sexo feminino enfrentaram uma desigualdade salarial de 22% em 2022, segundo dados levantados por uma pesquisa do IBGE. Estudos de remuneração da WTW encontram diferenças salariais menores ao comparar cargos do mesmo nível, mas deixam evidente a dificuldade de ascensão do público feminino às posições de gestão, principalmente em indústrias com estratégias de remuneração mais agressiva.
Apesar das dificuldades e preocupações com o impacto que essa comunicação pode ter, a importância da nova legislação fica clara. Sobretudo porque ela destaca a necessidade de enfrentar os desafios de equidade salarial, não apenas entre gêneros, mas também em outras categorias, conforme previsto na legislação. Indo além da lei, é uma oportunidade para a organização se posicionar frente aos seus colaboradores e para o mercado sobre algo que impacta toda a sua força de trabalho. O quanto desejo ser vanguardista em tratar a equidade e suas amplas consequências? Quero apenas atender à legislação ou vejo a lei como uma janela de oportunidade para minhas práticas de diversidade e inclusão?
Assim como a ESG não é apenas uma questão organizacional interna, a transparência salarial não é apenas uma resposta à legislação. As duas refletem anseios sociais, fazem parte uma da outra e, juntas são uma oportunidade para fortalecer a marca empregadora, engajar funcionários e, sobretudo, construir um ambiente de trabalho mais justo e inclusivo, sem jamais deixar de ser lucrativo ou competitivo.