Líder da subsidiária brasileira da WTW, uma das maiores corretoras globais e que emitiu a apólice do Titanic, diz que empresas ainda não estão preparadas para as mudanças climáticas
Quando o Titanic deixou o porto de Southampton, na Inglaterra, no dia 10 de abril de 1912, com destino à cidade de Nova York, nos EUA, a companhia de navegação tinha uma apólice de seguro da Willis, uma empresa inglesa do ramo que já tinha uma carteira robusta de clientes marítimos na época. A avaliação do risco do navio foi feita em três dias, e o seguro foi pago em 30. Quatro dias depois de zarpar, a embarcação naufragou no Atlântico Norte obrigando a Willis a desembolsar US$ 1 milhão.
O sinistro histórico foi salgado, mas não tirou a companhia da rota. O Titanic naufragou, mas a companhia de quase 200 anos se mantém em atividade — agora com o nome WTW — e transformou-se numa organização global que protege o patrimônio de outras empresas. Está em 140 países, soma 45 mil funcionários e fatura US$ 9,5 bilhões (R$ 53 bilhões) por ano.
Além de seguros, a WTW oferece a empresas de diferentes setores consultoria de riscos, inclusive os trazidos pelas mudanças climáticas. O tema é particularmente crítico para as atividades da corretora no Brasil, vide o impacto das enchentes sobre bens e infraestruturas no Rio Grande do Sul. À frente da operação brasileira da WTW há três anos, o engenheiro mecânico Eduardo Takahashi, de 55 anos, diz, em entrevista ao GLOBO, que 99% das empresas no país não estão preparadas para enfrentar os novos riscos climáticos e minimizar possíveis perdas financeiras.
As mudanças climáticas já afetam o país, como se viu na enchente do RS. Já existe percepção das empresas sobre esse novo cenário?
Sempre vimos na natureza uma sequência de desastres. Furacões no Caribe e nos EUA, terremotos no Chile, no México. O Brasil se gabava um pouco por ser um país sem catástrofes naturais. O próprio mercado de seguros via que as empresas aqui deveriam se preocupar com incêndios, explosões, riscos normais que empresas correm. E, de uns cinco anos para cá, o país vem sofrendo com uma frequência muito alta desses eventos mais severos, como secas, enchentes, em Minas, no Nordeste. Temos observado que as empresas já percebem o que chamamos de riscos emergentes.
Quais são esses riscos emergentes?
Esses riscos já eram esperados, mas não entravam no ranking de prioridades das empresas. O que acontece é que esses riscos ficaram interligados, com a evolução dos negócios das empresas. Por exemplo: uma grande corporação que depende da logística de transporte no Brasil. Antes, você considerava este um risco isolado. Mas agora podemos ter a interrupção de uma rodovia ou ferrovia, o fechamento de um porto. São riscos latentes que aparecem para as empresas a partir dos fenômenos climáticos.
Há outros exemplos?
No setor de construção, já existe uma preocupação com a localização de um depósito, de uma fábrica, escritório, de um condomínio, para garantir a perenidade daquele ativo. Quando se tem uma quantidade maior de pessoas num determinado espaço, já se leva em conta que o risco aumenta, especialmente se há uma barragem de mineração próxima que pode afetar uma comunidade. E então você passa a ter outros riscos consequentes: risco de responsabilidade do administrador. Hoje, (um dirigente de empresa) tem de ter visão mais estratégica de risco para não ser acionado na Justiça por negligência ou falta de gestão.
Todos esses riscos emergentes têm relação direta com mudanças climáticas?
Neste contexto de transição energética, por exemplo, em que as empresas buscam fontes de energia mais limpas para suas operações, elas passam a perceber o risco de maneira diferente. Vemos petrolíferas procurando parcerias com empresas de energia eólica ou solar. Elas nunca viram isso na vida delas, e os riscos são diferentes, seja regulatório, de imagem, de construção, do próprio ativo. Elas começam a ter que entender esses riscos. E fora todas as tecnologias novas, como hidrogênio verde, novas baterias para a eletrificação. São novidades que trazem uma série de riscos diferentes.
É uma equação mais complexa para as companhias entenderem, então?
A gente tem de acompanhar tudo isso para dar aos clientes todos uma visão mais holística da avaliação do risco. A gente ajuda as empresas a identificá-los. Depois tem que saber como quantificar esses riscos. Olhamos para o passado para ver o que aconteceu, mas muito mais do que isso é tentar jogar cenários para o futuro e encontrar soluções para mitigar e transferir para uma seguradora esses riscos. E com acesso ao capital.
E o poder público? Qual deve ser sua atuação neste contexto?
É preciso que eles tenham a consciência também que o país é sim sujeito a catástrofes. E aí talvez passem a olhar para esse tema de maneira mais pragmática. Países como México e Chile procuraram soluções no mercado de seguro porque eles têm necessidade de apoio para a reconstrução da infraestrutura.
No Rio Grande do Sul, há muitos riscos conhecidos, mas os mecanismo de proteção não foram atualizados. A gente avalia o risco com os clientes a cada seis meses, um ano. Há risco climático, cibernético, risco de reputação, de imagem num cenário geopolítico de problemas. E a velocidade com que essas coisas acontecem aumentou muito na última década.
Em quais setores as empresas estão mais preocupadas com risco climático no Brasil?
São as companhias da indústria de recursos naturais. Tem empresas de mineração, energia elétrica, petróleo e gás. São altamente consumidoras e produtoras de energia. Além das questões climáticas, há as novas regulações e compromissos, como o Acordo de Paris, em que as empresas têm de se comprometer até 2030 com alguns indicadores e até 2050 com outros de descarbonização.
Os bancos e as empresas das cadeias de fornecimento também estão se movimentando bastante porque têm de oferecer soluções para novos projetos ligados à questão do clima.
Que tipo de empresa já está preparada para este novo cenário?
Há empresas e empresas, né? No Brasil, eu diria que há um grupo pequeno de grandes empresas que vai nessa direção. Já estão trabalhando a agenda ESG (sigla em inglês para diretrizes ambientais, sociais e de governança). As companhias que têm essa agenda estão na frente das demais, mas eu acredito que seja talvez o grupo listado na Bolsa que esteja mais preparado. Talvez 99% das demais companhias ainda esteja muito incipiente.
Como é o modelo de previsão de riscos futuros que a WTW utiliza, mirando os próximo 50 ou 100 anos? Usa inteligência artificial (IA)?
Tiramos uma foto do estágio em que a empresa está no sentido de resiliência climática. O setor de seguros usa muitos dados do passado. Nossa base de dados tem informações de 140 países. Só no Brasil, são 6 mil clientes. Depois, avaliamos diversos cenários, com os riscos interconectados, simulações. Vemos se a empresa poderia passar por esses eventos e como sairia no fim do túnel. Se tomou todas as medidas possíveis para passar por esse evento, como mudar a sede de lugar, construir uma barragem, por exemplo.
Queremos criar um modelo de pensamento que dê sustentabilidade no longo prazo à companhia, nos próximos 100, 200 anos.
Ainda usamos muita “inteligência natural”, temos nossos especialistas. Mas a IA nos dá suporte, por exemplo, para fazer gráficos. O grande desafio do setor é oferecer novos produtos, como, por exemplo, um seguro para uma planta (de geração de energia) solar.