As notícias sobre falhas nas cadeias de abastecimento são cada vez mais frequentes, mas não são novas. Antes da atual crise da Ucrânia, que agravou a situação, éramos confrontados todos os dias com notícias sobre a falta de microchips e a sua implicação nas indústrias automóvel e tecnológicas; as dificuldades logísticas nos portos, com os problemas com os contentores e custos de transportes; a falta e o aumento de preços das matérias-primas.
Após a enorme recessão mundial que vivemos originada pela pandemia, assistimos a um período de forte recuperação económica, com elevados crescimentos em todas as regiões do Globo. Da mesma forma, verificou-se uma excecional performance do comércio mundial de bens duradouros após o fim dos primeiros confinamentos. Contudo, a partir do verão de 2021, registou-se uma queda do comércio mundial motivada, essencialmente, pelas dificuldades nas cadeias de abastecimento.
Estes problemas levaram a uma surpreendente perda do fulgor da recuperação económica, embora esta se mantenha, com o FMI a rever em baixa as previsões inicialmente avançadas para o crescimento da economia em 2022. Refira-se que já existem estudos segundo os quais a crise da Ucrânia terá uma implicação negativa em termos de crescimento do PIB mundial de, pelo menos, 1%.
O ponto de partida é a evolução económica das últimas décadas, com a opção pela produção just-in-time e sua deslocalização. Esta foi uma lógica que, obviamente, permitiu enormes economias de escala, grandes reduções de custos e o crescimento de empresas em diferentes partes do globo, mas que criou, simultaneamente, grandes vulnerabilidades, com as quais estamos a lidar atualmente.
As interrupções das cadeias de abastecimento são cada vez mais frequentes, existindo estudos que referem que em média, as empresas poderão enfrentar um problema deste tipo a cada quatro anos. São múltiplos os fatores que podem originar dificuldades. Recentemente a crise do COVID-19 destacou-se como indutora de ruturas nos fornecimentos, mas podemos falar de outro tema na ordem do dia como os riscos cibernéticos. As questões geopolíticas, que não são novas, basta recordar as recorrentes crises do Médio Oriente e os problemas entre a China e Taiwan; as questões climáticas, cada vez mais prementes, como são exemplo as recentes inundações na Europa e as secas, que provocam problemas ao nível das colheitas e das matérias-primas, são aspetos que têm grande implicação ao nível das cadeias de fornecimento. Mas existem outras situações, menos tipificadas, como o caso do Canal Suez em 2021, com um impacto económico muito avultado.
Realço de seguida os dois primeiros fatores referidos, que estão entre as principais preocupações atuais das empresas portuguesas.
A pandemia por COVID-19 expôs a fragilidade e a complexidade das atuais cadeias de abastecimento, destacando a grande interdependência que existe entre as empresas e entre as várias áreas do globo em termos de fornecimento.
Além dos impactos mais conhecidos e imediatos decorrentes dos confinamentos, com o encerramento das empresas e consequente interrupção da produção, dificuldades com contentores e nos portos, a crise originou outros aspetos importantes que contribuíram fortemente para os atuais problemas de abastecimento globais, nomeadamente o grande crescimento da poupança a nível mundial, quer de particulares, quer das empresas.
A retração do investimento por parte das empresas provocou dificuldades na capacidade de recuperação das próprias organizações. Por outro lado, as famílias reduziram o consumo de serviços, o setor mais afetado pela pandemia, e aumentaram significativamente a aquisição de bens duradouros.
Verificou-se, então, que a indústria recuperou rapidamente após o primeiro confinamento, mas esse crescimento não acompanhou o aumento da procura, seja porque as fábricas estiveram paradas e demoram o seu tempo a voltar à atividade, seja pelos problemas já falados de logística e pelo desinvestimento. A produção industrial não acompanhou o crescimento da procura originando uma forte queda de stocks, contribuindo em larga escala para as dificuldades atuais.
No que respeita aos riscos cibernéticos, os ataques têm crescido em frequência e em gravidade e o seu impacto na cadeia de abastecimento tem duas grandes vertentes. A primeira, quando os ciberataques afetam diretamente as cadeias de abastecimento tradicionais, através de ataques a um ou mais dos seus fornecedores. Nesta vertente, destacam-se também os ataques dirigidos a sectores críticos, que podem causar sérias dificuldades. É o caso das áreas da energia, transportes/logística, saúde, telecomunicações e alimentação.
Numa outra vertente, assistimos a ataques a fornecedores de software. Estes revestem-se de um caráter sistémico, uma vez que podendo atingir simultaneamente setores de atividade muito diferenciados provocam um alargamento dos seus efeitos. Temos como exemplos mais recentes os casos da Solarwinds, do Kaseya, Accellion e Log4j.
Além das consequências mais óbvias, como a redução de vendas, o impacto nos custos de produção e nas contas de exploração, as empresas têm de lidar com os custos intangíveis, provavelmente mais significativos, em concreto a incapacidade de dar resposta e cumprir os seus compromissos perante os seus clientes, que pode provocar danos muito significativos em termos de imagem e de confiança.